Contando mais um pouco sobre o meu natal, além do fato de que nele nao tem JC e sua banda : passei o natal em Toulouse, na casa dos pais do meu namorado, e trouxemos Faye Valentine e cuia. Demos calmante pra ela, pq era a primeira vez que ela saia de casa desde que a adotamos, e correu tudo bem. Ela ficou soh um pouco grogue, mas nao dormiu, e chegando aqui começou a farejar tudo o que encontrava na frente pra ver de colé da casa. Aprendeu mais sobre o funcionamento das portas, jah que no nosso pequeno apê elas soh existem no banheiro, e aprendeu que dà pra empurrà-las quando elas estao soh encostadas. E ela nunca curtiu muito portas fechadas, là em Peres quando alguém tomava banho ela ficava miando ameaçadoramente na porta, quando a gente saia do banho ela sotava um "miau" - que deve querer dizer "seu bobão!" - e saia correndo. Aqui em Toulouse, nos fechamos a porta do corredor mas vira e mexe alguém esquece, e là vai Faye desafiar a autoridade materna (leia-se, a minha) e se aventurar nos outros quartos. Acho que ela està bem à vontade, especialmente se levarmos em consideraçao que ela agora ocupa espaçosamente uma poltrona na sala, tipo, soh pra ela. Mas acho que ela tà com saudade de casa: eu achei que ela ia destestar a gaiola de transporte depois que descobrisse pra que servia, mas pasmem, de vez em quando ela entra sozinha dentro e fica là. Em tempos felinos, 10 dias de viagem deve ser muita coisa. Quer dizer, vamos ver se ela entra sozinha na gaiola na hora de voltar.
Assuntos felinos à parte, vamos falar de coisa boa? Tipo... presentes! Eu adoro o processo de comprar presentes, mas nao sou muito criativa pq acabo sempre dando livros. O que nao deixa de ser legal (quer dizer, eu acho, pq adoro livros), mas às vezes é meio repetitivo. Mas eu ganhei quase que soh livros e fiquei bem feliz.
A coisa mais legal foi que o irmao do meu namorado me deu a trilogia do Senhor dos Anéis de presente. Nao que eu seja fã do Senhor dos Anéis, eu nunca li os livros mas quando aos filmes, eu nao curto muito nao. O irmao em questao é que é tipo super fã do Tolkien, dai um dia eu disse que nao tinha visto "O Retorno do Rei" e ele chamou pra ver na casa dele. Eu dei altas risadas em momentos que ele curtia muito, o que pra ele era uma heresia, mas ele é tao legal que isso virou piada interna entre a gente. Dai eu digo pra ele que "There's only one Return, and it ain't of the King, it's of the Jedi!", e provocaçoes do tipo. Enfim, ele me deu a trilogia, e eu dei pra ele um boneco do Yoda!! Sem saber que ele ia me dar os livros nem nada, entao ficou bem engraçado. Com direito a um pequeno climão, pq depois dessa troca de presentes o pai deu pra ele um livro sobre Stars Wars e dai ficou pensando que ele nao gostava, ele teve que explicar que era piada comigo mas que gostava sim.
O pai do meu namorado é um desses "homens de letras à moda antiga" e me deu um livro usado dele. Ele ficou super sem graça e eu tive que explicar que amei o gesto! Eu AMO coisa usada, e o fato de saber que ele ama os livros dele e mesmo assim me deu um deles me fez gostar mais ainda.
Outro presente que eu gostei muito veio do irmao mais novo do meu namorado, que nao gosta de livros (felizmente eu evitei a bola fora e eu dei outra coisa pra ele). Mas ele me deu um livro, e foi a primeira vez na vida que ele dava um livro pra alguém! Eu achei super legal.
Também ganhei um t-shirt dos All Blacks do meu namorado, o que foi um gesto nobre da parte dele pq na final da Copa do Mundo de Rugby eu torci pra Nova-Zelândia contra a França. Mas tipo torci MUITO. Enchi muito os franceses. A ponto de as palavras "me arrependi de ter te mostrado o rugby" terem saido da boca dele. Mas era mais forte do que eu, novas paixoes sao sempre intensas.
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
natal nao é soh zezus
Eu nao tenho religião. Costumo me definir como agnostica, embora nos ultimos tempos eu me identifique mais com a "tendência" ateista do que com a teista do agnosticismo. Pois é, até pra isso segue-se trendies. Mas enfim, eu também nao sou anti-religiosa. Embora certos casos me dêem nos nervos, mas este nao é o assunto do post.
Mencionei o fato de nao ser anti-religiosa pq tem me irritado deveras essa mania cristã de querer monopolizar o natal. Tipo que pra algumas pessoas natal = nascimento de jesus, e vc soh tem direito de comemorar o natal se acreditar em JC e sua banda.
Bom, pra começar, este artigo é deveras instrutivo. Natal NAO EH nascimento de Jesus, quer dizer, ao menos nao é a data correta. Eh soh uma convençao que colaram por cima de uma festa profana - e detalhe complementar, hà vàrias outras festas de outras divindades comemoradas no dia do natal.
Hà também o fato de as pessoas gostarem de se reunir em familia, e o natal é uma otima desculpa pra isso. Eh o caso da familia do meu namorado, que nao apenas nao é religiosa (acho que sao todos ateus, mas nao tenho certeza), como também vem de criaçao musulmana. Ou seja, nada a ver com zezus. Mas eles curtem jantar todos juntos no natal e até montar àrvore (por puro gosto pelo "exotismo" dos costumes nativos, acho eu) e dar presentes. Pois é, cristoes (sic) com mania de monopolio natalino, deal with it.
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
de prefeituras e ideologias
No ultimo capitulo, Soraya tentava impedir nossa pobre Maria do Bairro de conseguir renovar sua atestaçao de residência, tendo chegado ao extremo de tentar rouba-la descaradamente!
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Entao, meu novo encontro com o purgatorio, digo, com a prefeitura de policia era hoje. Correu tudo super bem, apesar do meu desespero de ontem. Fiquei correndo atràs de documentos que eu nao tinha ainda, seja por distraçao, seja por ser da roça. Porque eu sou muito da roça. Soraya tinha escrito que eu precisava de uma atestaçao de presença na universidade, e como esse ano eu tenho SOH a dissertaçao (pros franceses eu sou "repetente", sério) eu tive que pedir ao meu professor almofadinha uma declaraçao escrita. Pedi isso na nossa ultima reuniao, ele perguntou "mas vc precisa disso PRA AGORA?" e eu "nao, pra agora nao". Isso foi quinta passada gente, soh depois me dei conta do quanto eu tinha sido da roça. E nao, eu nao me dei conta no dia seguinte, sexta, pq eu vi o prof de novo numa palestra. Me passou pela cabeça mencionar que eu precisava do treco pra essa semana, mas eu fiquei com VERGONHA pq tinha muita gente em torno dele. Da roça. Soh fui desconfiar que talvez eu tivesse interpretado mal a pergunta dele - "vc precisa disso PRA AGORA?" - là pelo sàbado à noite, quando eu percebi que talvez ele nao fosse advinhar que "pra agora nao" queria dizer "pra esse fim-de-semana, por favor". Dai mandei um email pra ele no domingo, cheio de mea-culpa. Ele me mandou a declaraçao na segunda, mas nao pôde assinar. Sabe o que eu adoro em professor de filosofia? O fato de eles nao terem nenhuma noçao do mundo real. Meu professor diz que ele nao podia assinar, mas que qualquer coisa eu poderia dizer às autoridades (sic) que eles poderiam ligar pra ele. E me deu o celular dele. Gente, é muito amor. Chega a ser tocante alguém tao inocente assim.
Mas enfim, como eu sou from the block (ha ha!) eu liguei pra uma doutoranda que me co-orienta e ela arrumou alguém pra me mandar a assinatura do professor por scanner. Dai eu fiz uma bricolagem dos documentos e, com uma boa impressora em cores, ficou como um original.
Voltando ao assunto, Soraya tinha me pedido essa atestaçao de presença + certificado de inscriçao + um documento dizendo a minha carga horaria, disciplinas, etc. O normal sempre foi SOH o certificado de inscriçao, mas enfim, como constava que eu tinha que apresentar os outros, eu fiquei com medo de eles implicarem. Mas advinha quantos documentos me pediram hoje... Soh o certificado. Ou seja, a feladaputa da mulher me pediu documentosss A MAIS soh pra atazanar minha vida.
A mesma coisa pra atestaçao de recursos, na lista que ela tinha dado constava que eu precisava apresentar o meu contrato E a "prise en charge" do meu namorado. O que complicava a vida por causa da historia de que ele nao me dà dinheiro e tal, mas nesse caso eu sabia que era abusivo me pedirem duas coisas pq o meu contrato bastava pra atestar que eu nao ia aumentar o numero de mendigos na rua. Mas a gente (quer dizer, meu namorado) refez a atestaçao de prise en charge mesmo assim, pq nunca se sabe. E pà, nem pediram.
Beleza, nao to reclamando, até pq a atendente de hoje, que graças aos céus nao era Soraya, fez o trabalho dela. Ela nao foi exatamente simpàtica, mas dava pra ver que ela tinha outras prioridades em mente e que nao envolviam ter que latir pra estrangeiro. O que me deixa p*** nao é nem apenas a constataçao de que a burocracia é uma total arbitrariedade, e que vc depende da pessoa ir com a sua cara ou nao.
O que me deixa p*** mesmo é essa ideologia francesa da neutralidade. Eles realmente acreditam em coisas do tipo "os valores da republica francesa, laica e neutra", e isso é meu c* em chamas. Ok, claro que nao todos, mas hà uma certa adesão geral.
Eh, eu sei que no Brasil nao é melhor, a gente sabe que precisa sorrir e de preferência levar biscoitos pros atendentes. Todo mundo aceita isso tacitamente, e é foda. Mas pelo menos nao existe essa martelaçao na cabeça, "somos neutros, somos laicos". Meu koo.
sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
I'm still jenny from the block OH WAIT
Eu gosto muito de giria de malaco. Eu acho que em francês, que é uma lingua tao formal, o contraste é engraçado de um jeito otimo. Dai cada vez que eu aprendo uma eu repito exaustivamente, a cada oportunidade. Também funciona para expressoes, como "se lécher les babines" (~ lamber o beiço).
A giria de malaco da vez é "tiekar" que sonoricamente é como "quartier" (=bairro) ao contràrio. Inverter as palavras (e nesse caso, mantendo o significado) é uma pràtica corrente em francês, mas foi meio que apropriada pela malacagem nos ultimos tempos. Entao dizer que vc é do tiekar é tipo dizer que vc é "from the block", em inglês. Ou seja, da malacagem. Como boa ZN que sou, isso foi como reencontrar minhas origens.
Ontem eu fui encontrar meu orientador. O segundo dado importante desse post é que professor na França é ultra mega formal, né. Nao tem essa de ser brother como no Brasil. Meu orientador é professor de filosofia, entao imaginem o equivalente velhoto de um "almofadinha". Sei que almofadinha é uma giria que ninguém usa mais, mas é a IMAGEM que eu tenho dos franceses filhinhos-de-papai. Eles sao aquela coisa picolé-de-chuchu, pq capacidade pra ser "playboy" - ou qualquer coisa com certa "atitude", mesmo no sentido pejorativo - eles nao tem muito, nao. Sim, eles sao frescos, é super verdade.
Mas enfim!
Eu sei que esse professor mora no mesmo bairro que eu. Tadinho, ele nem é filhinho de papai velhoto, mas usa polo por cima de camisa social = pedir pra ser chamado de almofadinha. Evocando o fato com meu namorado, que eu e o professor somos from the block, ele me avisou pra nao dizer isso na frente do prof. Ele conhece minha mania de repetir girias (né? é na cabeça dele que eu fico repetindo sem parar). Mas gente, minha lingua tava coçando. Dai o que meu prof faz durante a reuniao? Comenta que moramos no mesmo bairro! Claaaro que eu tive que adicionar POIS EH NEH SOMOS FROM THE BLOCK. Pq sou dessas.
Meu professor se limitou a uma reação nao verbal.
Esta:
uma fucking poker face que na minha opiniao pode querer dizer:
( ) WTF
( ) Três anos na França e essa menina ainda nao aprendeu francês
( ) Nem te frago, fi (nesse caso, ele é really from the block e me tirou bunito, né)
E é isso, essa é a minha vida! Don't be fool by the rocks that I got, hein.
domingo, 11 de dezembro de 2011
igualdade num mundo de desiguais ?
Mais um post sobre um filme... Devo estar me achando A critica de cinema, né.
Esses dias assisti "Entre os Muros da Escola", que é uma espécie de quase-documentàrio sobre a situaçao da educaçao francesa. Acho que o filme pretende denunciar a situaçao de professores mais ou menos despreparados diante de alunos desrespeitosos - um problema bem conhecido no Brasil, e que começa a dar bastante pano pra manga aqui na França. O filme mostra os problemas de um professor tentando ensinar a uma turma com problemas de disciplina, de atençao e de inserçao. Essa questao da inserçao de deve ao fato de que muitos alunos sao filhos de imigrantes e os problemas escolares podem ser mais ou menos associados ao fato de os pais nao falarem francês, ou ao fato de os alunos nao se sentirem franceses. Mas o filme nao aponta o dedo pra nada, nao tenta dar explicaçoes globais (inclusive um dos meninos cujos pais nao falam francês é um bom aluno). Ele soh mostra o quotidiano e as relaçoes professor-alunos, professor-professor, e professor-pais de alunos, deixando as interpretaçoes por conta de quem assiste.
O problema, a meu ver, é que o filme tenta mostrar, de um lado, um professor coitadinho, tentando tratar os alunos como iguais, e de outro, alunos imaturos que usam isso contra o proprio professor.
Enfim. Eu jah trabalhei como disciplinària aqui, e vendo o filme eu fiquei chocada pela forma como o professor permite que os alunos falem com ele ; ademais, ele, professor, deixa alguns alunos trocarem insultos entre si na sala de aula... algo que eu, que soh era disciplinària, jamais permitiria (ou jamais permitiria sem que, ao menos, rolasse uma sançao). Sem falar nessa coisa de falar com os alunos de igual pra igual - o que deu precedentes aos alunos de falarem com o professor como se ELE fosse um colega, de forma muito desrespeitosa.
Mas aqui eu tenho que me explicar. Sendo disciplinària, eu me sentia mal com vàrias coisas : eu nao sei como explicar isso de uma forma que nao soe pretenciosa OU caricatural, mas estudando sociologia, de certa forma, a gente estuda (e tenta "denunciar") os mecanismos de poder, disciplina e obediência da sociedade.... Eu disse que ia soar caricatural.... Mas enfim, sendo disciplinària, EU era parte desse mecanismo ; eu era responsàvel por manter a escola enquanto instituiçao de disciplina e de vigilância. E eu era responsàvel por sancionar os alunos que nao se enquadrassem nessa regra. Claro que a aplicaçao quotidiana da regra é relativa (eu posso ser mais tolerante que outras disciplinàrias, ou fazer vista grossa, etc). Mas eu era obrigada, na grande maioria das vezes, a aplicar regras com as quais eu nao concordava.
Mesmo achando legal e saudàvel que os alunos questionem as coisas, eu nao podia deixa-los ir muito além de um certo limite pq eu sabia que eles podiam se aproveitar disso. E se aproveitam, né, ô bicho idiota esse tal de adolescente. O que eu quero dizer é que eu considero que a escola é uma instituiçao que quer formatar pessoas a se enquadrarem em um certo perfil - do bom aluno, obediente, que nao questiona demais - e que isso pode ser extremamente opressor pra outros alunos. Mas na pràtica, eu nao podia dar espaço demais pra essas coisas : primeiro, pq eu "tinha" que fazer "meu trabaho", e segundo, pq uma açao igualitària numa estrutura desigual nao vai necessariamente libertar as pessoas, a nao ser que seja uma açao revolucionària.
Eh isso que eu quis dizer sobre a critica ao professor que "fala aos alunos como se eles fossem seus iguais". A escola DEVE adotar formas de relaçao professor-aluno mais igualitàrias, e que rompam com o esteriotipo do professor como "alguém ensinando ao aluno o que ele ainda nao sabe" (o que subentende que soh hà um caminho para saber as coisas - aquilo que o professor ensina -, e que soh importa o que ele ensina). A escola deveria, também, valorisar outros tipos de alunos, aqueles que fogem do padrao disciplinado (e que sao rapidamente rotulados de "incapazes", "desviantes"). Isso implica uma revoluçao na estrutura escolar. E ai sim, na minha opiniao, professores e alunos poderiam se tratar de forma igualitària.
O que o professor do fime fez foi reproduzir todo o esquema escolar (eu falo, eu ensino, EU é que tenho algo a ensinar, vcs sentam calados e aprendem) e introduzir um diàlogo falsamente igualitàrio, que na verdade era um estratégia (de prender a atençao dos alunos e de ganhar a confiança deles). E o resultado foi bastante desastroso.
Nao quero dizer com isso que professores devem falar com alunos como se estes fossem cachorros, mas existe um problema de coerência ai; ou vc aceita outras formas de saber e de comportamento, vindo dos alunos (o que é muito dificil dentro da estrutura escolar atual), ou vc estabelece uma distância proporcional àquela entre o seu saber e a falta de saber deles. Eu acho que misturar as duas coisas nao dà, por mais que a intençao do professor do filme possa ter sido boa. Eh muito fàcil - como foi o caso do filme - esbravejar contra os alunos, contra os problemas dessa geraçao que nao respeita mais ninguém e dos pobres professores desarmados diante disso... BEM mais dificil é apontar os muitos erros da estrutura escolar, que reproduz relaçoes de poder e de opressão.
Como disciplinària, eu sei que eu reproduzia esse sistema. Mas quando vc està na frente de 30 alunos e que vc tem que mante-los calados, é vc ou eles. Nao sei se posso chamar isso de "aprendizado", mas depois de um tempo vc cria o hàbito de nunca mais acreditar na palavra das pessoas (especialmente nos exemplares adolescentes destas) e de terminar discussoes com "cala a boca e fica quieto". Shame on me, I know.
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
sexta-feira, 2 de dezembro de 2011
The Reader e a banalidade do mal
Com alguns anos de atraso, finalmente assisti "The Reader". Gostei do filme e achei que ele deixa algumas coisas em aberto, o que é sempre interessante. Ele amou ela a vida inteira ou age por culpa (ou qualquer outro motivo)? Mas enfim, nao vou exatamente falar do filme aqui, mas aviso que pode haver spoilers (nunca falo sobre filmes aqui e nao sei como fazer isso de uma forma que nao estrague a trama pra quem ainda nao viu). Eu queria falar da forma como filme retrata a Hanna, especialmente durante o julgamento. Ela foi uma guarda nazista e o que faz ela ser condenada à prisao é o fato de ter fechado as portas de uma igreja onde dormiam algumas prisioneiras, enquanto havia um incêndio no local, causando por isso à morte da maioria delas. A resposta da Hanna é que as presas estavam sob responsabilidade dela; ela nao podia abrir a porta, pq ia ser o caos e ela ia perder o controle de suas prisioneiras. Em suas respostas, Hanna afirma que estava fazendo o que devia ser feito - seu trabalho - e parece nao entender bem pq é acusada de matar pessoas.
Essa forma de retratar um crime, como algo feito por alguém que apenas estava cumprindo seu dever, tem origem na tese da Hannah Arendt (nao confundir com a Hanna do filme) sobre a "banalidade do mal".
Hannah Arendt elaborou essa idéia no livro Eichmann em Jerusalém, a partir do processo do Eichmann, e a banalidade do mal acabou virando um conceito explicador do mal nas sociedades tecnocràticas : numa sociedade em que tudo é medido em termos de técnica, eficiência e eficàcia, as pessoas se acostumam a simplesmente cumprir ordens; nao hà nenhum tipo de reflexao moral sobre o teor e o fundamento dessas ordens. O Eichmann retratado pela Arendt é um funcionàrio-modelo, que cumpre ordens com eficiência e com um elevado sentido de "dever".
Hà dois problemas essenciais sobre essa "tese". O primeiro deles é que a Hannah Arendt jamais quis fazer da idéia de banalidade do mal uma tese, um conceito ou um principio.
O segundo é que Hannah Arendt compôs essa idéia através do processo do Eichmann, mas que ela nao acompanhou o processo inteiro. A parte que ela acompanhou foram os procedimentos de acusaçao, em que o Eichmann se mostrava apàtico, apagado, o que para a autora retratava um funcionàrio eficiente e pouco reflexivo. Bastante parecido com a Hanna da Kate Winslet, durante o julgamento.
Soh que, durante sua defesa - que a Arendt nao acompanou, repito - Eichmann se mostrou inteiramente diferente. Mais enérgico e eloquënte, bem diferente do homem descrito pela Hannah Arendt.
A partir desse "erro historico", criou-se todo um sistema de pensamento no qual a sociedade moderna é vista como um berço potencial da banalidade do mal. Na medida em que as pessoas produzem e reproduzem o mal sem se dar conta disso, qualquer um de nos pode ser o vetor desse mal. Este individuo moderno e tecnocrata pode ser eu, você e cada um de nos. O mal nao é mais visto como algo que pode ser identificado através do recurso à moral, pq essa moral pode ser, ela mesma, parte daquele mal sistêmico.
Enfim, no meio de tantas coisas que poderiam se ditas sobre The Reader, essa é a que me chamou atençao; ela reflete um problema real que a teoria social enfrenta, e a questao de esse problema ter sido fundado num "erro historico" é um pouco perturbador. Se a banalidade do mal é vista como chave de interpretaçao para o mal moderno, torna-se muito dificil fazer todo e qualquer julgamento de valor : eu nao posso apontar no outro um mal que ele nao produziu conscientemente, e que eu também poderia produzir pq sou parte desse mesmo sistema que o envolve.
Mas para além disso, a pergunta que fica é : uma boa filosofia pode ser feita a partir de uma historia equivocada?
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