quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

mais do mesmo (natal)

Contando mais um pouco sobre o meu natal, além do fato de que nele nao tem JC e sua banda : passei o natal em Toulouse, na casa dos pais do meu namorado, e trouxemos Faye Valentine e cuia. Demos calmante pra ela, pq era a primeira vez que ela saia de casa desde que a adotamos, e correu tudo bem. Ela ficou soh um pouco grogue, mas nao dormiu, e chegando aqui começou a farejar tudo o que encontrava na frente pra ver de colé da casa. Aprendeu mais sobre o funcionamento das portas, jah que no nosso pequeno apê elas soh existem no banheiro, e aprendeu que dà pra empurrà-las quando elas estao soh encostadas. E ela nunca curtiu muito portas fechadas, là em Peres quando alguém tomava banho ela ficava miando ameaçadoramente na porta, quando a gente saia do banho ela sotava um "miau" - que deve querer dizer "seu bobão!" - e saia correndo. Aqui em Toulouse, nos fechamos a porta do corredor mas vira e mexe alguém esquece, e là vai Faye desafiar a autoridade materna (leia-se, a minha) e se aventurar nos outros quartos. Acho que ela està bem à vontade, especialmente se levarmos em consideraçao que ela agora ocupa espaçosamente uma poltrona na sala, tipo, soh pra ela. Mas acho que ela tà com saudade de casa: eu achei que ela ia destestar a gaiola de transporte depois que descobrisse pra que servia, mas pasmem, de vez em quando ela entra sozinha dentro e fica là. Em tempos felinos, 10 dias de viagem deve ser muita coisa. Quer dizer, vamos ver se ela entra sozinha na gaiola na hora de voltar.
Assuntos felinos à parte, vamos falar de coisa boa? Tipo... presentes! Eu adoro o processo de comprar presentes, mas nao sou muito criativa pq acabo sempre dando livros. O que nao deixa de ser legal (quer dizer, eu acho, pq adoro livros), mas às vezes é meio repetitivo. Mas eu ganhei quase que soh livros e fiquei bem feliz.
A coisa mais legal foi que o irmao do meu namorado me deu a trilogia do Senhor dos Anéis de presente. Nao que eu seja fã do Senhor dos Anéis, eu nunca li os livros mas quando aos filmes, eu nao curto muito nao. O irmao em questao é que é tipo super fã do Tolkien, dai um dia eu disse que nao tinha visto "O Retorno do Rei" e ele chamou pra ver na casa dele. Eu dei altas risadas em momentos que ele curtia muito, o que pra ele era uma heresia, mas ele é tao legal que isso virou piada interna entre a gente. Dai eu digo pra ele que "There's only one Return, and it ain't of the King, it's of the Jedi!", e provocaçoes do tipo. Enfim, ele me deu a trilogia, e eu dei pra ele um boneco do Yoda!! Sem saber que ele ia me dar os livros nem nada, entao ficou bem engraçado. Com direito a um pequeno climão, pq depois dessa troca de presentes o pai deu pra ele um livro sobre Stars Wars e dai ficou pensando que ele nao gostava, ele teve que explicar que era piada comigo mas que gostava sim.
O pai do meu namorado é um desses "homens de letras à moda antiga" e me deu um livro usado dele. Ele ficou super sem graça e eu tive que explicar que amei o gesto! Eu AMO coisa usada, e o fato de saber que ele ama os livros dele e mesmo assim me deu um deles me fez gostar mais ainda.
Outro presente que eu gostei muito veio do irmao mais novo do meu namorado, que nao gosta de livros (felizmente eu evitei a bola fora e eu dei outra coisa pra ele). Mas ele me deu um livro, e foi a primeira vez na vida que ele dava um livro pra alguém! Eu achei super legal.
Também ganhei um t-shirt dos All Blacks do meu namorado, o que foi um gesto nobre da parte dele pq na final da Copa do Mundo de Rugby eu torci pra Nova-Zelândia contra a França. Mas tipo torci MUITO. Enchi muito os franceses. A ponto de as palavras "me arrependi de ter te mostrado o rugby" terem saido da boca dele. Mas era mais forte do que eu, novas paixoes sao sempre intensas.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

natal nao é soh zezus


Eu nao tenho religião. Costumo me definir como agnostica, embora nos ultimos tempos eu me identifique mais com a "tendência" ateista do que com a teista do agnosticismo. Pois é, até pra isso segue-se trendies. Mas enfim, eu também nao sou anti-religiosa. Embora certos casos me dêem nos nervos, mas este nao é o assunto do post.
Mencionei o fato de nao ser anti-religiosa pq tem me irritado deveras essa mania cristã de querer monopolizar o natal. Tipo que pra algumas pessoas natal = nascimento de jesus, e vc soh tem direito de comemorar o natal se acreditar em JC e sua banda.
Bom, pra começar, este artigo é deveras instrutivo. Natal NAO EH nascimento de Jesus, quer dizer, ao menos nao é a data correta. Eh soh uma convençao que colaram por cima de uma festa profana - e detalhe complementar, hà vàrias outras festas de outras divindades comemoradas no dia do natal.
Hà também o fato de as pessoas gostarem de se reunir em familia, e o natal é uma otima desculpa pra isso. Eh o caso da familia do meu namorado, que nao apenas nao é religiosa (acho que sao todos ateus, mas nao tenho certeza), como também vem de criaçao musulmana. Ou seja, nada a ver com zezus. Mas eles curtem jantar todos juntos no natal e até montar àrvore (por puro gosto pelo "exotismo" dos costumes nativos, acho eu) e dar presentes. Pois é, cristoes (sic) com mania de monopolio natalino, deal with it.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

de prefeituras e ideologias


No ultimo capitulo, Soraya tentava impedir nossa pobre Maria do Bairro de conseguir renovar sua atestaçao de residência, tendo chegado ao extremo de tentar rouba-la descaradamente!

**

Entao, meu novo encontro com o purgatorio, digo, com a prefeitura de policia era hoje. Correu tudo super bem, apesar do meu desespero de ontem. Fiquei correndo atràs de documentos que eu nao tinha ainda, seja por distraçao, seja por ser da roça. Porque eu sou muito da roça. Soraya tinha escrito que eu precisava de uma atestaçao de presença na universidade, e como esse ano eu tenho SOH a dissertaçao (pros franceses eu sou "repetente", sério) eu tive que pedir ao meu professor almofadinha uma declaraçao escrita. Pedi isso na nossa ultima reuniao, ele perguntou "mas vc precisa disso PRA AGORA?" e eu "nao, pra agora nao". Isso foi quinta passada gente, soh depois me dei conta do quanto eu tinha sido da roça. E nao, eu nao me dei conta no dia seguinte, sexta, pq eu vi o prof de novo numa palestra. Me passou pela cabeça mencionar que eu precisava do treco pra essa semana, mas eu fiquei com VERGONHA pq tinha muita gente em torno dele. Da roça. Soh fui desconfiar que talvez eu tivesse interpretado mal a pergunta dele - "vc precisa disso PRA AGORA?" - là pelo sàbado à noite, quando eu percebi que talvez ele nao fosse advinhar que "pra agora nao" queria dizer "pra esse fim-de-semana, por favor". Dai mandei um email pra ele no domingo, cheio de mea-culpa. Ele me mandou a declaraçao na segunda, mas nao pôde assinar. Sabe o que eu adoro em professor de filosofia? O fato de eles nao terem nenhuma noçao do mundo real. Meu professor diz que ele nao podia assinar, mas que qualquer coisa eu poderia dizer às autoridades (sic) que eles poderiam ligar pra ele. E me deu o celular dele. Gente, é muito amor. Chega a ser tocante alguém tao inocente assim.
Mas enfim, como eu sou from the block (ha ha!) eu liguei pra uma doutoranda que me co-orienta e ela arrumou alguém pra me mandar a assinatura do professor por scanner. Dai eu fiz uma bricolagem dos documentos e, com uma boa impressora em cores, ficou como um original.

Voltando ao assunto, Soraya tinha me pedido essa atestaçao de presença + certificado de inscriçao + um documento dizendo a minha carga horaria, disciplinas, etc. O normal sempre foi SOH o certificado de inscriçao, mas enfim, como constava que eu tinha que apresentar os outros, eu fiquei com medo de eles implicarem. Mas advinha quantos documentos me pediram hoje... Soh o certificado. Ou seja, a feladaputa da mulher me pediu documentosss A MAIS soh pra atazanar minha vida.
A mesma coisa pra atestaçao de recursos, na lista que ela tinha dado constava que eu precisava apresentar o meu contrato E a "prise en charge" do meu namorado. O que complicava a vida por causa da historia de que ele nao me dà dinheiro e tal, mas nesse caso eu sabia que era abusivo me pedirem duas coisas pq o meu contrato bastava pra atestar que eu nao ia aumentar o numero de mendigos na rua. Mas a gente (quer dizer, meu namorado) refez a atestaçao de prise en charge mesmo assim, pq nunca se sabe. E pà, nem pediram.

Beleza, nao to reclamando, até pq a atendente de hoje, que graças aos céus nao era Soraya, fez o trabalho dela. Ela nao foi exatamente simpàtica, mas dava pra ver que ela tinha outras prioridades em mente e que nao envolviam ter que latir pra estrangeiro. O que me deixa p*** nao é nem apenas a constataçao de que a burocracia é uma total arbitrariedade, e que vc depende da pessoa ir com a sua cara ou nao.
O que me deixa p*** mesmo é essa ideologia francesa da neutralidade. Eles realmente acreditam em coisas do tipo "os valores da republica francesa, laica e neutra", e isso é meu c* em chamas. Ok, claro que nao todos, mas hà uma certa adesão geral.

Eh, eu sei que no Brasil nao é melhor, a gente sabe que precisa sorrir e de preferência levar biscoitos pros atendentes. Todo mundo aceita isso tacitamente, e é foda. Mas pelo menos nao existe essa martelaçao na cabeça, "somos neutros, somos laicos". Meu koo.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

I'm still jenny from the block OH WAIT

Eu gosto muito de giria de malaco. Eu acho que em francês, que é uma lingua tao formal, o contraste é engraçado de um jeito otimo. Dai cada vez que eu aprendo uma eu repito exaustivamente, a cada oportunidade. Também funciona para expressoes, como "se lécher les babines" (~ lamber o beiço).
A giria de malaco da vez é "tiekar" que sonoricamente é como "quartier" (=bairro) ao contràrio. Inverter as palavras (e nesse caso, mantendo o significado) é uma pràtica corrente em francês, mas foi meio que apropriada pela malacagem nos ultimos tempos. Entao dizer que vc é do tiekar é tipo dizer que vc é "from the block", em inglês. Ou seja, da malacagem. Como boa ZN que sou, isso foi como reencontrar minhas origens.

Ontem eu fui encontrar meu orientador. O segundo dado importante desse post é que professor na França é ultra mega formal, né. Nao tem essa de ser brother como no Brasil. Meu orientador é professor de filosofia, entao imaginem o equivalente velhoto de um "almofadinha". Sei que almofadinha é uma giria que ninguém usa mais, mas é a IMAGEM que eu tenho dos franceses filhinhos-de-papai. Eles sao aquela coisa picolé-de-chuchu, pq capacidade pra ser "playboy" - ou qualquer coisa com certa "atitude", mesmo no sentido pejorativo - eles nao tem muito, nao. Sim, eles sao frescos, é super verdade.

Mas enfim!

Eu sei que esse professor mora no mesmo bairro que eu. Tadinho, ele nem é filhinho de papai velhoto, mas usa polo por cima de camisa social = pedir pra ser chamado de almofadinha. Evocando o fato com meu namorado, que eu e o professor somos from the block, ele me avisou pra nao dizer isso na frente do prof. Ele conhece minha mania de repetir girias (né? é na cabeça dele que eu fico repetindo sem parar). Mas gente, minha lingua tava coçando. Dai o que meu prof faz durante a reuniao? Comenta que moramos no mesmo bairro! Claaaro que eu tive que adicionar POIS EH NEH SOMOS FROM THE BLOCK. Pq sou dessas.

Meu professor se limitou a uma reação nao verbal.

Esta:


uma fucking poker face que na minha opiniao pode querer dizer:

( ) WTF
( ) Três anos na França e essa menina ainda nao aprendeu francês
( ) Nem te frago, fi (nesse caso, ele é really from the block e me tirou bunito, né)

E é isso, essa é a minha vida! Don't be fool by the rocks that I got, hein.

domingo, 11 de dezembro de 2011

igualdade num mundo de desiguais ?

Mais um post sobre um filme... Devo estar me achando A critica de cinema, né.


Esses dias assisti "Entre os Muros da Escola", que é uma espécie de quase-documentàrio sobre a situaçao da educaçao francesa. Acho que o filme pretende denunciar a situaçao de professores mais ou menos despreparados diante de alunos desrespeitosos - um problema bem conhecido no Brasil, e que começa a dar bastante pano pra manga aqui na França. O filme mostra os problemas de um professor tentando ensinar a uma turma com problemas de disciplina, de atençao e de inserçao. Essa questao da inserçao de deve ao fato de que muitos alunos sao filhos de imigrantes e os problemas escolares podem ser mais ou menos associados ao fato de os pais nao falarem francês, ou ao fato de os alunos nao se sentirem franceses. Mas o filme nao aponta o dedo pra nada, nao tenta dar explicaçoes globais (inclusive um dos meninos cujos pais nao falam francês é um bom aluno). Ele soh mostra o quotidiano e as relaçoes professor-alunos, professor-professor, e professor-pais de alunos, deixando as interpretaçoes por conta de quem assiste.
O problema, a meu ver, é que o filme tenta mostrar, de um lado, um professor coitadinho, tentando tratar os alunos como iguais, e de outro, alunos imaturos que usam isso contra o proprio professor.
Enfim. Eu jah trabalhei como disciplinària aqui, e vendo o filme eu fiquei chocada pela forma como o professor permite que os alunos falem com ele ; ademais, ele, professor, deixa alguns alunos trocarem insultos entre si na sala de aula... algo que eu, que soh era disciplinària, jamais permitiria (ou jamais permitiria sem que, ao menos, rolasse uma sançao). Sem falar nessa coisa de falar com os alunos de igual pra igual - o que deu precedentes aos alunos de falarem com o professor como se ELE fosse um colega, de forma muito desrespeitosa.

Mas aqui eu tenho que me explicar. Sendo disciplinària, eu me sentia mal com vàrias coisas : eu nao sei como explicar isso de uma forma que nao soe pretenciosa OU caricatural, mas estudando sociologia, de certa forma, a gente estuda (e tenta "denunciar") os mecanismos de poder, disciplina e obediência da sociedade.... Eu disse que ia soar caricatural.... Mas enfim, sendo disciplinària, EU era parte desse mecanismo ; eu era responsàvel por manter a escola enquanto instituiçao de disciplina e de vigilância. E eu era responsàvel por sancionar os alunos que nao se enquadrassem nessa regra. Claro que a aplicaçao quotidiana da regra é relativa (eu posso ser mais tolerante que outras disciplinàrias, ou fazer vista grossa, etc). Mas eu era obrigada, na grande maioria das vezes, a aplicar regras com as quais eu nao concordava.
Mesmo achando legal e saudàvel que os alunos questionem as coisas, eu
nao podia deixa-los ir muito além de um certo limite pq eu sabia que eles podiam se aproveitar disso. E se aproveitam, né, ô bicho idiota esse tal de adolescente. O que eu quero dizer é que eu considero que a escola é uma instituiçao que quer formatar pessoas a se enquadrarem em um certo perfil - do bom aluno, obediente, que nao questiona demais - e que isso pode ser extremamente opressor pra outros alunos. Mas na pràtica, eu nao podia dar espaço demais pra essas coisas : primeiro, pq eu "tinha" que fazer "meu trabaho", e segundo, pq uma açao igualitària numa estrutura desigual nao vai necessariamente libertar as pessoas, a nao ser que seja uma açao revolucionària.
Eh isso que eu quis dizer sobre a critica ao professor que "fala aos alunos como se eles fossem seus iguais". A escola DEVE adotar formas de relaçao professor-aluno mais igualitàrias, e que rompam com o esteriotipo do professor como "alguém ensinando ao aluno o que ele ainda nao sabe" (o que subentende que soh hà um caminho para saber as coisas - aquilo que o professor ensina -, e que soh importa o que ele ensina). A escola deveria, também, valorisar outros tipos de alunos, aqueles que fogem do padrao disciplinado (e que sao rapidamente rotulados de "incapazes", "desviantes"). Isso implica uma revoluçao na estrutura escolar. E ai sim, na minha opiniao, professores e alunos poderiam se tratar de forma igualitària.
O que o professor do fime fez foi reproduzir todo o esquema escolar (eu falo, eu ensino, EU é que tenho algo a ensinar, vcs sentam calados e aprendem) e introduzir um diàlogo falsamente igualitàrio, que na verdade era um estratégia (de prender a atençao dos alunos e de ganhar a confiança deles). E o resultado foi bastante desastroso.
Nao quero dizer com isso que professores devem falar com alunos como se estes fossem cachorros, mas existe um problema de coerência ai; ou vc aceita outras formas de saber e de comportamento, vindo dos alunos (o que é muito dificil dentro da estrutura escolar atual), ou vc estabelece uma distância proporcional àquela entre o seu saber e a falta de saber deles. Eu acho que misturar as duas coisas nao dà, por mais que a intençao do professor do filme possa ter sido boa. Eh muito fàcil - como foi o caso do filme - esbravejar contra os alunos, contra os problemas dessa geraçao que nao respeita mais ninguém e dos pobres professores desarmados diante disso... BEM mais dificil é apontar os muitos erros da estrutura escolar, que reproduz relaçoes de poder e de opressão.
Como disciplinària, eu sei que eu reproduzia esse sistema. Mas quando vc està na frente de 30 alunos e que vc tem que mante-los calados, é vc ou eles. Nao sei se posso chamar isso de "aprendizado", mas depois de um tempo vc cria o hàbito de nunca mais acreditar na palavra das pessoas (especialmente nos exemplares adolescentes destas) e de terminar discussoes com "cala a boca e fica quieto". Shame on me, I know.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

The Reader e a banalidade do mal


Com alguns anos de atraso, finalmente assisti "The Reader". Gostei do filme e achei que ele deixa algumas coisas em aberto, o que é sempre interessante. Ele amou ela a vida inteira ou age por culpa (ou qualquer outro motivo)? Mas enfim, nao vou exatamente falar do filme aqui, mas aviso que pode haver spoilers (nunca falo sobre filmes aqui e nao sei como fazer isso de uma forma que nao estrague a trama pra quem ainda nao viu). Eu queria falar da forma como filme retrata a Hanna, especialmente durante o julgamento. Ela foi uma guarda nazista e o que faz ela ser condenada à prisao é o fato de ter fechado as portas de uma igreja onde dormiam algumas prisioneiras, enquanto havia um incêndio no local, causando por isso à morte da maioria delas. A resposta da Hanna é que as presas estavam sob responsabilidade dela; ela nao podia abrir a porta, pq ia ser o caos e ela ia perder o controle de suas prisioneiras. Em suas respostas, Hanna afirma que estava fazendo o que devia ser feito - seu trabalho - e parece nao entender bem pq é acusada de matar pessoas.

Essa forma de retratar um crime, como algo feito por alguém que apenas estava cumprindo seu dever, tem origem na tese da Hannah Arendt (nao confundir com a Hanna do filme) sobre a "banalidade do mal".
Hannah Arendt elaborou essa idéia no livro Eichmann em Jerusalém, a partir do processo do Eichmann, e a banalidade do mal acabou virando um conceito explicador do mal nas sociedades tecnocràticas : numa sociedade em que tudo é medido em termos de técnica, eficiência e eficàcia, as pessoas se acostumam a simplesmente cumprir ordens; nao hà nenhum tipo de reflexao moral sobre o teor e o fundamento dessas ordens. O Eichmann retratado pela Arendt é um funcionàrio-modelo, que cumpre ordens com eficiência e com um elevado sentido de "dever".
Hà dois problemas essenciais sobre essa "tese". O primeiro deles é que a Hannah Arendt jamais quis fazer da idéia de banalidade do mal uma tese, um conceito ou um principio.
O segundo é que Hannah Arendt compôs essa idéia através do processo do Eichmann, mas que ela nao acompanhou o processo inteiro. A parte que ela acompanhou foram os procedimentos de acusaçao, em que o Eichmann se mostrava apàtico, apagado, o que para a autora retratava um funcionàrio eficiente e pouco reflexivo. Bastante parecido com a Hanna da Kate Winslet, durante o julgamento.
Soh que, durante sua defesa - que a Arendt nao acompanou, repito - Eichmann se mostrou inteiramente diferente. Mais enérgico e eloquënte, bem diferente do homem descrito pela Hannah Arendt.
A partir desse "erro historico", criou-se todo um sistema de pensamento no qual a sociedade moderna é vista como um berço potencial da banalidade do mal. Na medida em que as pessoas produzem e reproduzem o mal sem se dar conta disso, qualquer um de nos pode ser o vetor desse mal. Este individuo moderno e tecnocrata pode ser eu, você e cada um de nos. O mal nao é mais visto como algo que pode ser identificado através do recurso à moral, pq essa moral pode ser, ela mesma, parte daquele mal sistêmico.

Enfim, no meio de tantas coisas que poderiam se ditas sobre The Reader, essa é a que me chamou atençao; ela reflete um problema real que a teoria social enfrenta, e a questao de esse problema ter sido fundado num "erro historico" é um pouco perturbador. Se a banalidade do mal é vista como chave de interpretaçao para o mal moderno, torna-se muito dificil fazer todo e qualquer julgamento de valor : eu nao posso apontar no outro um mal que ele nao produziu conscientemente, e que eu também poderia produzir pq sou parte desse mesmo sistema que o envolve.

Mas para além disso, a pergunta que fica é : uma boa filosofia pode ser feita a partir de uma historia equivocada?

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

da série "divagações sobre o nada"

Acho que a maioria - ou pelo menos boa parte - dos sobrenomes "ocidentais" (pq nao me arrisco a falar de mundo) surgiram da mesma forma: as pessoas, por alguma razão, se viram obrigadas a adotar um, e usaram a primeira coisa que veio na cabeça - do nome de uma àrvore a um apelido.

Quer dizer, os nobres adotavam o nome do lugar onde estavam as possessões territoriais deles, por isso aqui na França quando alguém se chama Fulano de TalLugar é quase certo que essa pessoa é nobre. Gosto de imaginar que isso começou pq o rei era tipo Silvio Santos e precisava saber da caravana de onde eram as pessoas de sua corte.

Bom, para os plebeus franceses os sobrenomes se tornaram obrigatorios no século XVI. O que eu acho divertido é que muitos sobrenomes vêem de apelidos originados de caracteristicas fisicas ou mesmo psicologicas da, digamos, "primeira pessoa da linhagem". No Brasil, eu tenho a impressão de que a maioria vêem de àrvores ou no màximo de profissoes. A gente nao vê muitos Zezinho ORuivo ou OLoiro ou essas coisas... E sempre que eu me deparo com um sobrenome do tipo por aqui, eu fico imaginando COMO era o tataravô dessa pessoa. Ok, Leroux (ORuivo) é fàcil, dã. Mas alguns sao muitos engraçados. Exemplos:

LE FORT ou LEFORT ("O Forte") - Fico imaginando o que seria um senhorzinho forte à la século 16. Obviamente, na minha imaginaçao, ele usa suspensorios e "mangas de camisa" coladjeenhas.

LAMOUREUX (pode ser "o apaixonado" ou "o amante") - Esse me deixa na duvida entre um bocoio e um amante latino.

JOLY ("bonito") - O famoso BONITAO DA BALA CHITA, ou em bom francês, beau gosse.

SAUVAGE ("Selvagem") - Quem pensou em Kaspar Hauser dà RT. O tataravô que iniciou essa linhagem era obviamente alguém com problemas de socialização.

LEPETIT ("Opequeno") - O anaozinho do vilarejo. Ou talvez "outra coisa" fosse pequena e, como vilarejo é vilarejo, todo mundo ficou sabendo. Paia, hein.

LEGROS ("Ogordo") - alguém que sofria muito bullying no século 16.

PODEVIN ("CopoDeVinho") - aquele cara que vivia nas tarbernas arrumando confusão.
Bom, ok, na verdade a expressão "pot-de-vin" em francês se refere a transaçoes ilicitas, tipo uma propina, mas eu prefiro a versao do tataravô tomando todas.

PARADIS ("Paraiso") - Pra quê vc apelidaria alguém de PARAISO se nao fosse pra jogar um caôzinho? Acho que em português seria Zezinho ColirioParaOsOlhos.


Etc etc etc... esses sao soh alguns exemplos, de sobrenomes que eu realmente vi. Diz a lenda que tem coisa bem pior que isso, mas enfim. Outra lista possivel seria com nomes que soam engraçados em português - o sobrenome de uma das minhas chefes era DACALOR e eu nunca consegui dizê-lo sem pensar WTF?!.

Agora imagina se no Brasil alguém resolve refazer o cadastro civil... SOUFODA seria o novo Silva e POPOZUDA o novo Souza. Certeza. *_*

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

the cryin' day

O dia de renovar minha autorizaçao de residência sempre foi meu dia de chorar. O drama jah faz parte do meu ser, mas ele piora ainda mais quando eu me vejo submetida a um exame de "boa imigrante". Eu me sinto uma vaca, um pedaço de carne a ser avaliado, pra que "eles" decidam se eu sou boa o suficiente pra ficar no pais deles. O que é especialmente degradante quando vc acha que o pais deles tà longe de ser là essas coisas, e pohan, se enxerguem.
Enfim, pra completar minha vida de maria do bairro, as pessoas do atendimento sao super grossas.

Dai o que rola? Eu começo a sentir uma mistura de raiva, degradaçao, vontade de dizer umas verdades na cara deles... e basta ouvir um "esse documento nao serve" dito com grosseria, que eu, numa atitude muito madura, abro a boca pra chorar.


Mas esse ano eu decidi que nao ia chorar. Chega. Eles nao merecem minhas làgrimas (diria Maria do Bairro, con mucha honra).

Fui na prefeitura hoje de tarde.
Primeiro, a disgrama da funcionària implica com minha foto. E pq?! Pq eu tava com uma echarpe. Nao, nao era na frente do rosto como uma burqa.
Era uma FUCKING echarpe no pescoço que nao tampava nada.
- "Mas moça, a foto da minha autorizaçao de residência do ano passado também tem uma echarpe, olha soh".
- "Ah mas esse ano eles nao querem mais. Vc vai ter que fazer outra".
Meu, se fuder. E eu, ainda por cima, acabei de gastar 5 euros pra
tirar essa foto hoje de manha. Mas ok, liguei o foda-se.

Ela checa meus documentos. Pra nao ter problemas, meu namorado me faz uma atestaçao de "prise en charge", que quer dizer que ele assegura minha sobrevivência por aqui. O que nao é verdade pq eu trabalho e isso é soh pra eles nao
encherem o raio do saco. A gente sempre fez assim, desde o final de 2009, pq a gente sabe que eles podem implicar com qualquer coisa (por exemplo, meu atestado de residência começa em janeiro e um dos meus contratos anteriores terminava em fevereiro. Ele ia ser renovado, mas eu nao tinha nenhum documento me dando certeza disso, e eles poderiam nao aceitar.) Eu sempre achei que um atestado assinado por ele seria mais garantido.
Mas dai, tcha-tchan, ela me pergunta: "Você tem um extrato de conta? Pra comprovar que ele te dà dinheiro todo mês".
Fudeu. Claro que ele nao me dà dinheiro.
Dai eu invento uma desculpa qualquer, digo que eu trabalho mas que também sou "prise en charge", enfim com certeza ela nao acreditou pq eu vou ter que voltar là soh em dezembro e levar todos os documentos de novo. Eu aguentei firme e nao chorei. Inclusive fui educada-cinica, perguntando coisas do tipo "senhora, posso saber a razao de pedirem me extrato de conta?" com uma vozinha finiiinha. Meu foda-se tava no 150%. Nem o fato de que eles tiraram essa "regra" do rabo me abalou (pq hello, eu faço o mesmo procedimento desde 2009). Nem o fato de ela afirmar que eu TINHA que saber - e estar prevenida - que eles iam pedir o meu extrato pq no computador secreto deles tava escrito que eles iam me pedir, e se tava escrito é pq CERTAMENTE eu jà estava prevenida. Nem o fato de eu ter planejado férias na Turquia na data em que ela me deu novo rendez-vous. Nem o fato de que quando eu perguntei o que aconteceria se eu marcasse uma data em janeiro - quando minha autorizaçao de residência estaria vencida - e se eu ia ter problemas pra receber meu salàrio, ela tenha dito que o problema era meu e nao dela.

Nao me abalei. Orgulhosa de mim mesma, liguei pro meu namorado pra avisar que sifu com as férias na Turquia e me dou conta de que minha autorizaçao de residência desse ano nao tava comigo. Volto no guichê, pergunto pra funcionària - vamos chamà-la de SORAYA -, ela disse que nao està com ela. Eu refaço o caminho até onde me dei conta que nao tinha o documento, nao encontro, volto no guichê de Soraya, esvazio minha bolsa, pergunto moça o que eu faço?. Soraya vira e diz que ELA SABE QUE ME DEU O DOCUMENTO e que POR ISSO NA ESTA COM ELA. Vontade de virar uma bifa. Eu saio, refaço o caminho, volto, pergunto pras pessoas no atendimento e...
começo a chorar.


Come on, era muito pro meu controle emocional. Mas tenho certeza que foi uma armaçao da virgenzinha de guadalupe (/maria do bairro) que gosta de me ver chorar, nao é possivel.

No fim das contas, um senhor do atendimento chegou e me entregou meu documento, dizendo, vejam bem "que ALGUEM deu pra ele e ele nao sabe quem é".
Normalmente eu nao sou de acusar as pessoas assim, mas foda-se a presunçao de inocência. Certeza que foi a Soraya.

Moral da historia?

Esse povo nem deixa a gente sofrer em Paris em paz.

P.s.: Fotos meramente ilustrativas. A fila da prefeitura de Paris é diboassa se comparada com umas outras que eu jah vi por ai.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

versão rugby-supporter-wannabe

Eu amo futebol. Amo o jogo e, acima de tudo, amo a efervescência coletiva que o jogo gera. Quanto ao Rugby, até vir pra França tava mais pra "nunca vi nem comi, eu soh ouço falar". Sei là, nao me interessava. Mas aqui muitas pessoas adoram, e a primeira coisa muito bacana que eu ouvi falar do esporte é que apesar de ser muito fisico, as pessoas se respeitam muito. Tipo, é muito raro ver briga entre torcidas; as pessoas vivem mais um espirito de encher a cara juntos, o que marca uma superioridade incontestàvel em relaçao ao futebol. Nao me perguntem como eles conseguem isso: fazer um esporte visualmente "violento" - pra quem vê de fora e nao entende bulhufas - gerar tanto fair play entre os torcedores.

Mas enfim, entre achar legal e se interessar hà uma certa distância. Eu demorei a realmente querer ver uma partida de rugby, até que me mostraram A coisa mais legal do rugby: o HAKA. Nao saberia descrever o haka em termos precisos, mas é uma forma de desafio ao adversàrio feito por equipes de paises com uma forte tradiçao maori - caso da Nova Zelândia, Samoa, Ilhas Fiji, etc.

Vejam o sensacional haka da Nova Zelândia e entendam pq eu amei esse esporte antes de ter assistido a uma partida sequer:



A Nova Zelândia é a melhor equipe de rugby do mundo. Eles sao conhecidos como All Blacks, pq o uniforme é preto - segundo eles, pq portam o luto pelo adversàrio.
O cara que grita no inicio do haka tem que ser obrigatoriamente um jogador de ascendência maori.
Quando sao duas equipes de tradiçao maori que jogam, uma desafia a outra com seu respectivo haka. Mas quando a equipe adversària nao tem haka, os jogadores assistem lado a lado - eu amo ver as expressoes nao verbais dos dois lados. A cara de desafio dos jogadores fazendo o haka é totalmente excelente.

Fiquei super interessada depois de ver o haka e assisti a alguns jogos, mas o rugby é bem dificil de entender - e se o jogo for ruim, ele pàra toda hora e é super dificil de manter o foco. E existem mil regras. Entao fui tomando gosto pela coisa aos poucos.

E pq eu tô falando disso tudo? Pq tà rolando a Copa do Mundo de Rugby, exatamente na Nova Zelândia, e eles fizeram o um jogo sensacional contra a França que me converteu em fã do esporte de maneira definitiva. Te contar que eu ainda nao entendo a maioria das regras viu, mas dà pra seguir o jogo sabendo como se fazem pontos e quais os principais passes proibidos.

E olha, nessa Copa eu sou Nova Zelândia desde criancinha!



Update:

Outro haka dos all blacks... eles têm dois diferentes, este é mais recente e geralmente usado para equipes com as quais a rivalidade é mais forte.


Sério, como nao amar?!

terça-feira, 30 de agosto de 2011

I don't want to stay here


Esse é o terceiro post em menos de um mês, o que é um milagre hà tempos não visto. Soh pra continuar com aquela coisa de manter o blog, posto umas fotos do sudeste da França. Mais
especificamente, de Cassis e do mar mais azul que eu jah vi.
Tenho um amigo que odeia afirmaçoes assertativas sobre os lugares/paises/nativos - tipo "Paris EH assim", "Roma EH assado", "os franceses SÃO assim". Convenhamos, a gente soh tem um minimo de embasamento pra falar disso se morar no lugar, mas de forma alguma de tiver ido soh visitar. O que a gente ACHA de um lugar sao soh impressões muito pessoais.
Eu concordo muito com ele. Dito isso, devo dizer que eu amo o sul da França. Com o devido background de "essas sao as impressoes de alguém que soh passou alguns dias por là". Jah tinha ido ao
sudoeste também. O Sol, as cores, as pessoas mais legais... Me fazem sentir que eu fui enganada, que eu cai na cilada de vir pr'um lugar tao cinza cujo verao é mais frio do que o fucking inverno de BH. Dà pra respeitar lugar assim? Não, não dà. Viva o sul e seu verão com temperaturas acima dos 30°C, como deve ser!


quarta-feira, 24 de agosto de 2011

soh por postar

Vou tentar manter esse blog minimamente digno e postar com mais frequência, como disse a Olévia, nem que seja um video.
Entao: ESSE VIDEO EH OTIMO! Se chama "historia das coisas", e propoe uma reflexão sobre nossos hàbitos de consumo e nosso papel na cadeia produtiva. Pode parecer meio que "consciência ambiental para principiantes", mas o bacana dele é, exatamente, a simplicidade.


Notem que hà uma critica à forma como os paises desenvolvidos se aproveitam do "terceiro mundo" como se fosse o quintal deles. Eh uma pena que seja abordado tao pouco (ao mesmo tempo, nao é exatamente o foco principal do video), mas é algo serissimo... esses dias vi uma reportagem sobre a compra de grandes extensoes de terra em Moçambique, algo que provavelmente vai prejudicar muito as pessoas que trabalhavam hà décadas nessas terras, e os compradores eram, tchan-tchan, fucking brazilian landlords. Hà casos de universidades americanas praticando a mesma coisa. Mas o Brasil é fueda né? Um pais que sofreu sendo quintal alheio e que soh espera a primeira oportunidade pra fazer um quintalzinho num pais mais fraco.

Mas enfim, voltando ao foco, vejam o video :)

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

french navy


Um dia vou conseguir escrever sobre minha relaçao de amor e odio com a França. Mas morando aqui, algo em relaçao ao qual eu realmente adquiri afeto foi a lingua francesa. Eu nem sei explicar, pq eu sempre preferi o italiano, e nao acho o francês super bonito nem "sexy", como muita gente. Mas eu amo falar francês, amo qua
ndo dizem que falo bem, apesar da eterna frustraçao de que é bem pouco provàvel que eu venha, um dia, a falar como uma francesa - sem sotaque*. A primeira vez que eu vi um sentido em estar aqui - e na época, trabalhando de babà - foi quando começadram a elogiar meu francês; foi como se, finalmente, esses meses em terra estranha com gente esquisita valesse alguma coisa: se nada der certo, eu falo francês! Claro que a coisa se dà em camadas e "niveis" de linguagem - se me botarem pra conversar com um malaco, que soh fale girias, eu vou ter dificuldade pra entender o que ele fala. Mas enfim, existem bem poucas coisas que a gente pode falar que aprendeu definitivamente, de uma vez por todas, sem precisar se aperfeiçoar. Ademais, esse é também o charme da lingua francesa: à primeira vista, muito "dura", muito formal, cheia de nuances e frescuras - mas, ao mesmo tempo, cheia de invençoes, de girias, de subversoes. Eu acho que as expressoes àrabes sao uma forma de subversao à lingua oficial, uma demonstraçao de que as dinâmicas sociais sempre escapam ao controle de fronteira. Ao mesmo tempo, sao também um indicio da nao-integraçao dos imigrantes; uma das minhas palavras preferidas, em francês, é bled, que vem do àrabe
"casa", e que eles - imigrantes e descendentes - usam quando dizem que vao pro pais de origem: "vou passar minhas férias no bled". Ou seja, de certa forma, a ligaçao com esse lugar de origem é forte - é a "casa" - pq eles nao se sentem integrados. Mas isso é outro assunto. Também adoro clebs (cachorro), que também vem do àrabe. E pra nao dizerem que eu fico puxando sardinha pro meu devir marroquina, também adoro mytho, mentiroso, que na verdade é abreviaçao de mythomane: mitômano. Parece palavra dificil, mas todos os adolescentes falam, e eu acho hilàrio: "você nao passa de um mytho!"

*Em relaçao aos sotaques. Uma vez um professor - de inglês - alertou a turma pra pronùncia de tal palavra (nem lembro qual), dizendo que, se a gente a pronunciasse de tal forma, as pessoas imediatamente saberiam de onde a gente é. Dai eu pensei, poxa, qual o problema disso? Eu tenho orgulho de onde eu venho. Quando os alunos no colègio riam de algum erro, eu repetia a mesma coisa - eu tenho orgulho de ser estrangeira. Mas é inevitàvel me sentir frustrada por às vezes confundir "in" e "an" - eu acho o som super parecido (foneticamente: [ɛ] e [ã]), mas pra eles é super diferente. E, pessoalmente, eu acho sotaque desleixado muito feio.


O outro lado da moeda é que os franceses tendem a achar que a lingua é deles, e que o sotaque é dos outros: dos canadenses, por exemplo, ou dos descendentes de imigrantes - que nasceram aqui e muito francês tem a coragem de comentar que ele tem um "sotaque estrangeiro" - se ele nasceu aqui, e se ele tem o francês como lingua-mãe, dizer que ele tem sotaque é o mesmo que retirar o direito dessa pessoa a ter uma lingua. E a lingua é dinâmica, ela nao é de ninguem, como pensam os franceses em um eterno delirio narcisista. Eh digno de nota que, quando um francês quer te atacar sutilmente, seja por brincadeira, seja por provocaçao, seja por maldade, ele te ataca pela lingua: "isso que vc disse nao é francês" (e muitas vezes EH, e eles dizem que nao pq sao fdp mesmo).


Mea culpa: eu jah utilisei o francês como forma de exclusão social, com uma menina que eu nao tinha ido com a cara. A sujeita vira pra mim e diz "eu jamais viria de au pair, trabalhar de mao de obra barata", soh faltou um "eca!". E como estàvamos entre franceses, e ela tinha chegado a pouco tempo, passei o tempo todo falando francês, o que de certa forma fez com que as outras pessoas também falassem (embora soubessem português), e ela ficou boiando na conversa

Mas ela mereceu.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

quando tudo vira desculpa

Mudei de tema de mestrado pq o tema anterior era teorico demais, e além do mais eu nao conseguia mais ficar falando de uma "França revolucionària" que hje nao é mais a sombra de si mesma. Um novo tema, que nao tinha nada a ver com o que eu tinha estudado antes, que era quase uma outra àrea, com bibliografias BASICAS que eu nunca tinha lido e referências que eu ainda sequer conheço. Leituras que nao me deixavam ler direito as leituras indicadas nas minhas aulas, e nossa, eu tenho muitas aulas, e trabalho ao mesmo tempo. Jah deu pra perceber que eu tô me fazendo de coitada? Dai assim, nossa, eu nao devia ter mudado de tema pq 1 ano é muito pouco pra fazer uma boa dissertaçao, e ademais tinha 3 anos que eu estudava o tema anterior! E nossa, pensando bem a academia é uma b** mesmo, quê que eu tô fazendo aqui, olha esse povo que vive numa bolha e que nao entende nada da vida real. Tudo isso é culpa da nossa forma de construir o conhecimento, e como assim ainda se fala em universalismo?, esses teoricos franceses falam muito dificil, é um saber produzido para se auto-reproduzir. E olha essas teorias sobre o sujeito? O sujeito soh pode ser aquele que nasceu na modernidade, capaz de reflexividade e etc... quer dizer que nos, bonitoes da bala chita, somos os unicos a produzir reflexao sobre nossa propria sociedade? *dai eu começo a namorar a antropologia e a arrumar desculpas pra ler Sahlins ao invés de ler o que eu jah deveria ter lido hà um mês atràs*.

Pensando bem, a culpa é do Ocidente. E olha ai o Sahlins pra concordar comigo!

Foi tudo um grande erro. Minha modesta conclusão é que a civilização ocidental tem sido largamente construída sobre a idéia equivocada da "natureza humana". (Por favor, desculpem; foi tudo um erro.) É provavelmente verdade, todavia, que esta idéia equivocada da natureza humana ponha em perigo nossa existência.
(Sahlins, 2007)

Esse mau-humor que se retroalimenta é uma maneira de lidar com a crise de "o que eu faço depois desse mestrado?", mas tb nao é soh isso, é tb um enorme saco-cheio de faculdade, aula, leituras por obrigaçao, e de um sistema que eu vejo cada vez menos como o meu. Dai eu penso em mim mesma aos 18 anos e meu discurso "eu nao vou fazer o que dà dinheiro, eu vou fazer o que eu gosto" e penso no que aconteceu de là pra cà. Talvez o que aconteceu é que o capitalismo tenha vencido (no caso, me vencido). Ou que nao quero dinheiro, eu soh quero amar seja um privilégio pra poucos, detentores de capital (seja aquele, econômico mesmo, seja aquele, acadêmico, das pessoas que parecem seguir trajetorias retilineas e sem desvios na universidade. Claro que muitas vezes os dois estao juntos, mas nem sempre). Ou talvez o problema nao seja aquela môme de 18 anos, mas esta de 25.

E eu nao sei como terminar esse texto, nem essa questão, tao interminàvel, et alors?

terça-feira, 31 de maio de 2011

you have a different opinion and that (should be) ok

Dia desses fui na casa de uma amiga franco-marroquina - e musulmana - que trabalha comigo, junto com outras colegas, uma delas franco-maliana e a outra francesa ("e soh"). Là pelas tantas, inevitavelmente, começou um debate sobre algumas idéias musulmanas - principalmente sobre a questao da mulher. Mas primeiro vamos dar nome aos bois, pelo menos aos personagens principais: vou chamar a franco-marroquina de N. e a francesa-bretona de G., pq seria mto toscao usar soh o referente nacional pra falar disso. G se co nsidera feminista, até ai tudo bem - eu partilho muitas das opinioes dela. O que me deixou meio que impressionada foi a maneira como ela se recusa a aceitar que N tenha uma visao diferente dela no que concerne conceitos bàsicos como "liberdade" e "igualdade", pra citar os chavões franceses. O que eu vi na conversa delas foi um ranço enorme de neocolonialismo que existe na cultura francesa. Pq o papo de "eu sou mais livre do que vc pq eu sou atéia e feminista" é super escorregadio, e dai pra "meus valores ao melhores dos que os seus" é um pulo (bem pequeno). Eu defendo valores que sao meus (e que sao inevitavelmente encharcados de pensamenos ocidento-centrista e euro-centrista) mas eu me sinto capaz de aceitar o fato de que alguém pode ter uma idéia do mundo totalmente diversa da minha, sem pensar que a evoluçao/ progresso natural da humanidade vai levar essa pessoa a pensar como eu. E principalmente, quem sou eu pra julgar os valores culturais dos outros? Eu sei que isso tomba pro relativismo, e isso é meio que inevitàvel - mas entre o relativismo e o universalismo, qual a melhor nuance? Eu me recuso a crer em papos do tipo "olha, minha filha, isso que vc chama de pudor, eu chamo de submissao... vem aqui que eu vou te emancipar, vem". Universalismo é tao perigoso, e a filosofia politica nao largou o osso até hoje - o que dà uma sensaçao de que academia nao serve pra nada mesmo. Serà que nao dà pra pensar uma forma de relativismo que seja rigida em relaçao a valores bàsicos? Sei là, multilar mulheres (soh pra citar um exemplo) nunca vai ser algo que eu venha a defender. Entao é complicado - como qualquer posiçao que tenda a um extremo.
Por falar em extremos, os da conversa foram bem estranhos. N sabe muito bem se defender, e a partir de um certo momento (acho que de saco cheio de G ser incapaz de tentar entender algo sem impor suas proprias categorias), disse algo como "ok, vou falar da mesma maneira que vc entao: todas as ocidentais sao putas, piranhas. Se vc acha que o que é diferente de vc é submissao, eu acho que o que é diferente de mim é putaria". Claro que ela nao tava falando sério, mas foi uma forma caricatural de mostrar que o "universalismo" tb pode existir do outro lado, ora bolas. Enfim, G apelou um pouco e chorou (!) e quis ir embora (!!) mas depois ficou tudo bem. Mas essa mania deles, francesinhos, de acharem que seus valores sao universais é foda - vide o fato de que qualquer um deles defenderà ferrenhamente a tal "laicidade" francesa, sem conseguir enchergar o quanto essa laïcidade é muito propria a uma certa "visao francesa" do mundo (que hje deriva pra islamofobia), e nao é, nao mesmo, uma visao neutra em relaçao às religioes.
E fiquei pensando, também (e pela reaçao apelativa dacolega) no quanto minha host estava certa quando me disse que Astérix é A cultura francesa em forma de desenho: a convicçao de estarem certos os leva a nao aceitarem perder. O que nao quer dizer que eles estejam certos de fato, mas que explica o por quê de eles serem tao mal perdedores - em discussoes e em jogos, mas talvez em revoluçoes também. RYZAS.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Faye Valentine

Todo mundo sabe que eu agora (hà uns dois meses) tenho uma gatinha, né? A gente adotou ela quando ela tinha uns 9 ou 10 meses, e agora ela està com quase um ano. No começo ela era meio medrosa/ selvagem (vàrios arranhões no braço pra contar historia), mas ela se acostumou com a gente relativamente ràpido. A Faye é uma fofinha, soh nao se acostuma de jeito nenhum a ficar no colo ou a dormir junto comigo - que é uma das coisas que eu tenho saudade na Sofia, que nao gostava de colo mas dormia comigo debaixo do edredon. Mas nao vou ficar comparando um gato com outro né, cada uma tem uma personalidade diferente. A Faye aparentemente nao tem vocaçao pra gato-pelucia, mas adora um carinho. Aliàs, acabei de passar uns bons 10 minutos com o braço esticado pq ela tinha dormido em cima da minha mao enquanto eu fazia carinho, toda fofinha, e eu fiquei sem coragem de tirar a mão :o)
Suspeito que ela tenha um passado meio mendigo (bifes roubados e pratos lambidos sao alguns dos indicios) mas ela parou de miar insistentemente enquanto a gente come - soh, de vez em quando, sobe em algum movel e fica olhando a comida em posiçao de ataque e com um olhar de tristeza (acho que nessas horas ela pensa "tao perto... tao longe..."). Mas ela mia por razoes que eu nao entendo. Aliàs, de tanto conversar com ela (tento conversar sempre em português pra ela e a Sofia poderem ser amiguinhas quando se conhecerem) ela ficou com mania de dar palpite enquanto a gente conversa; ontem mesmo estàvamos falando dela e, do outro cômodo, ela dava umas miadinhas - super querendo se intrometer no assunto.

Fotenhas: a preto-e-branco, com carinha de "nao fui eu", é a Faye ("Faye Valentine", quando ela està encrencada, mas normalmente é soh Faye)

essa aqui do lado (meio branca-cinza-amarelo) é a Sofia, que ficou no Brasil e que é o unico membro da minha familia que nao tem nome mexicano :)

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Home

Trecho de uma carta enviada a Hannah Arendt pelo seu marido - um tal de Heinrich Blücher. Uma coisa linda que eu achei meio que sem querer, no meio de um texto sobre ela.


"I have experienced homelessness, (...) and I could always say ‘Wherever I am, there I am not at home.’ But nonetheless right here in the middle of this world, and not in some superworldly Zion, I have managed to build a home through you and my friends, so that I can also say: Where one or more of you are with me there is my homeland, and where you are with me, there is my home."