segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

de raps e estrangeiros

Um dos piores vicios dos maus escritores é supor que o leitor sabe perfeitamente do que ele està falando. Eu tenho uma tendência enorme a escrever coisas cheias de a priori's e soh depois de publicar o ultimo post é que eu fui reparar algumas coisas: tipo a associaçao feita entre estrangeiros e rap. Algo que faz sentido na minha cabeça, mas que eu joguei no texto de um jeito bem desleixado. Ficou parecendo que soh estrangeiros fazem rap. Pior, ficou parecendo que os caras do clipe são estrangeiros. E eu sou a primeira a achar absurdo a insistência francesa - imagino que em outros lugares tb, mas soh conheço a França - de querer colocar os imigrantes e descendentes no lugar deles: o lugar de origem, que não é a França. "Oficialmente" eles nao fazem isso, pq a Republica Francesa nao diferencia seus cidadãos de acordo com cor, a ethnia ou a origem (meu koo que nao diferencia, mas esse é o discurso em que eles querem acreditar). Mas os descendentes de imigrantes - nascidos na França, e portanto cidadaos franceses - são muitas vezes vistos e tratados como estrangeiros. Sabe quando no Brasil a gente chama o cara de "turco" pq o pai dele é daquelas bandas, mas apesar do apelido, pra gente, ele é brasileiro? Aqui esse cara é considerado turco, mesmo tendo nascido aqui (ou marroquino, ou whatever)**. Muitas vezes eles é que reivindicam isso - é o caso dos membros do grupo de rap que eu postei, e foi por isso que associei eles a "estrangeiros" - mas eles nasceram na França. Sao franceses, e nao "estrangeiros" - ademais, uma reivindicaçao identitària nao anula necessariamente outra, e eles podem muito bem se sentir franceses TAMBEM. A denuncia da musica que eu postei - e nao precisa saber francês pra entender, a mensagem é bem visual - é que existe uma "cidadania de segunda classe" reservada aos imigrantes e seus descendentes; ele nao estaria protestando contra isso se nao se sentisse no direito, enquanto francês, de ter oportunidades de vida mais igualitàrias.

** Claro que isso depende do pais de onde o cara é. Europeus hoje sao muito mais facilmente assimilàveis do que os descendentes de àrabes. Os asiàticos ficam num limbo que eu nao consigo identificar muito bem. O mais engraçado é que hoje existe todo um arsenal de argumentos culturalistas pra justificar o racismo e/ou a hostilidade com os àrabes: eles sao de cultura musulmana, incompativel com a matriz francesa, de tradiçao catolica. Dai quando vc lê relatos sobre a imigraçao polonesa (acho que em fins do séc XIX/ inicio do XX), acha os seguintes argumentos: mas os poloneses sao catolicos demais, a França é laica! Impossivel! - Ou seja, os mesmos argumentos culturalistas, soh que com o senso invertido. Eles gostam de se dizer laicos, mas quando convém eles podem ser bem catolicos.

Enfim, nao quero dizer que a historia se repetirà e que os musulmanos serao assimilados como os europeus mas esse tipo de coisa é instrutivo, especialmente pq algumas pessoas aqui parecem pensar que os europeus foram assimilados imediatamente e que os musulmanos é que sao os encrenqueiros da historia. Belgas, italianos, poloneses, todos eles foram alvo no passado da furia dos operàrios franceses que os acusavam de roubar empregos.

3 comentários:

S. W disse...

Martha, aqui acontece o mesmo.

Eu estudo com um rapaz da Tunisia, a esposa é nascida, criada na Holanda e não se considera Holandesa. Assim eu vejo muitos por aqui, com esse sentimento de que não pertecem aqui. Acontece também de os "locais" lembrarem o tempo todo que você não é Holandes, só nasceu aqui. Eu imagino que esse tipo de reação dos Europeus aconteceria com qualquer nacionalidade em que houvesse essa imigração em massa. No caso a bola da vez são os mulçumanos, mas poderiamos ser nós os latinos, poderia ser os asiaticos... enfim eu acho isso assustador.

Beijos

Luana disse...

Martha, como a Simone disse acima, aqui na Belgica tambem eh assim. A pessoa te apresenta alguem e fala "ele eh filho de argelinos", pra explicar que ele nasceu na Belgica, mas nao eh belga. E isso vindo de um pais que virou pais de fato depois do Brasil, ne? você entende? Nem eu!

Acho besta e desnecessário. Alias, outra coisa que me deixa possessa eh povo do brasil que fala "sou do brasil, mas meu bisavô era italiano" - na tentativa de se achar europeu... Lamentável!

Assunto para muitos e muitos posts, ne?

Anônimo disse...

Isso eu acho legal aqui no Brasil, quero dizer, que por mais que você tenha claramente raízes estrangeiras essa raramente é a sua primeira identidade, que dirá a única. Na Alemanha por parte de vários grupos existe uma resistência com descendentes de imigrantes, a começar pelos turcos. No entanto, tende a mudar em algumas grandes cidades, mas ainda assim existe sempre o bairro turco, sabe? Mas é essa coisa da identidade, que na verdade é múltipla, mas sempre tendem a encaixar as pessoas em apenas uma.